segunda-feira, 18 de abril de 2016

Ao povo de terreiro. Sem medo de ser feliz!

Alexandre L'Omi L'Odò - Foto de Marina Mahmood.

Ao povo de terreiro. Sem medo de ser feliz!

“Cego é quem não enxerga pelo uma cerca de vara. Não há quem cuspa pra cima que não lhe caia na cara”. Recado do caboclo Arranca-Toco.

Este recado do grande Caboclo nos ajuda a refletir sobre o papel político que nós, povo de terreiro, temos que assumir. Não estamos conseguindo enxergar por uma cerca de vara... Não estamos vendo o risco que corremos e não estamos nos organizando suficientemente para combater o avanço conservador que nos ameaça a todas e todos. Se não acordarmos agora, vamos sofrer as conseqüências de nossa omissão política.

Nossos ancestrais já derramaram sangue por nós. Não vamos permitir que nosso sangue seja derramado também por nossa falta de consciência de coletividade. Se não olhamos para o futuro, vamos amargar com certeza a dor do arrependimento!

Nos mais de 400 deputados federais que votaram contra e a favor do golpe, nenhum falou em nosso povo de terreiro. NENHUM! Ficou claro que nós estamos completamente desamparados, pois não temos sequer uma representação para garantir uma fala que nos represente, defenda e nos valorize perante tantos evangélicos que querem nos, converter e exterminar, ou pelas leis, ou pela força. Reitero que concebo conversão religiosa aos moldes deles como extermínio cosmológico e etnico.

O povo de terreiro não tem a quem recorrer. Temos aliados sim! Poucos demais... Respeitamos eles e elas, também valorizamos suas lutas a nosso favor. Mas não temos nossa representação legítima que garanta de fato e de direito nossas pautas. Não estamos nas câmaras de vereadores (com raras exceções), nem nas câmaras estaduais e muito menos nas câmaras federais... Nosso povo não tem representatividade política nenhuma! Estamos nas mãos dos que querem julgar por nós, a nossa vida e destino. Estamos nas mãos de vereadores e deputados que na sua maioria são evangélicos. Estamos em risco eminente, e temos que acender a luz vermelha de alerta agora.

Há anos assistimos abertamente aos crimes de intolerância religiosa. Não citarei muitos, mas um dos mais emblemáticos foi o caso de Mãe Gilda de Ogun, que faleceu devido a agravamentos de sua saúde após um infarto ao ver a Igreja Universal estampar sua foto em um de seus jornais vinculando a imagem desta respeitada iyalorixá de Salvador ao charlatanismo e a coisas do “mal”. Sua morte motivou a criação do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Também, recentemente em Brasília a imagem de Oxalá foi queimada cruelmente por intolerantes. Vimos tudo isso na internet... Poderia escrever um livro, só relatando os casos de intolerância que eu mesmo ajudei a encaminhar ao DISK 100 etc. Vivemos um tempo sombrio... Um tempo de guerra religiosa...

Isso tudo é permitido estar acontecendo, único e exclusivamente, por não termos representação política. Ninguém legisla por nós. Os grupos representados nos espaços políticos defendem apenas seus interesses e pronto. O papel democrático de um político é defender o povo, mas infelizmente isso não ocorre. A realidade é dura e muito frustrante. Poucos são exceção neste caso, e estes poucos fazem a diferença, mas ainda são poucos...

Infelizmente o povo de terreiro ainda trabalha contra si próprio politicamente. Vejo terreiros, sacerdotes e sacerdotisas se aliarem a pessoas “amigas”, vendendo seus votos por bodes ou cabras, confeitos para o Cosme Damião ou por tijolos etc.... Vejo ainda supostas lideranças fazendo o jogo do Estado de olhos azuis, que não criou a secretaria de PIR e não contribui com nada em nossa luta por direitos... Não pensam no futuro e muito menos no coletivo. Olham apenas para seus umbigos e ali ficam fechados nas quatro paredes de seus terreiros, que quando sofrem violência, intolerância ou qualquer outro problema procuram os pequenos coletivos que estão tentando se organizar para ajudar a estes e estas que não param pra pensar e contribuir na sua própria causa. Alguns ainda criticam quem tenta lutar, falando que não alcançamos êxito na causa... Mas compreendo que isso é fruto da vulnerabilidade que nosso povo tem. Ao meu ver, sofremos de um complexo de inferioridade muito profundo, fruto do racismo e da intolerância que convivemos cotidianamente. Ser de terreiro em nosso país não é fácil, contudo demonstramos a cada dia capacidade de reversão, mesmo de forma lenta e até invisível aos olhos da sociedade... Mas estamos avançando.

Temos que pensar no nosso futuro! Afinal, não pensar pra frente é suicídio à passos lentos... Um contra gotas que em algum momento vai encher a taça e transbordar para todos os lados. A taça do racismo e da intolerância religiosa transborda todos os dias... E rogo à nossas divindades e entidades de matriz africana e indígena que não transborde de vez. Mas isso só não acontecerá se agirmos logo e com força!

Temos que ficar atentos! Não podemos repetir mais o discurso de que fomos separados desde África e por isso hoje somos desunidos.Este discurso não pode servir como álibi para nossa incapacidade de comprometimento. Não podemos mais nos vitimizar. Os fatos históricos servem sim para nos orientar e nos ajudar a refletir. Mas este tipo de argumento não deve servir para nos amortizar e nos posicionar de forma covarde perante os fatos.

Temos que nos UNIR! Mesmo se não gostarmos de “A” ou “B”, temos que entender que nossa discussão não deve ser pessoal, ou a de simpatia por “A” ou “B”. Nossa causa deve ser coletiva pelo bem comum de todas e todos. Estamos em um barco só – Jurema Sagrada, candomblés, umbanda, batuque, tambor de mina, jarê, terecô, pajelança do Amazonas, kimbanda, nagô, culto Egungún, rezadeiras e benzedeiras etc. Somos um povo só, o Povo de Terreiro, independente de nossas práticas particulares e nações. Ainda temos a cultura popular, filha dos terreiros, nossos brinquedos e manifestações do sagrado na rua.

O que assistimos na votação do golpe (no último domingo 17/04/2016) foi um festival de discursos evangélicos pautados na falsa moral, na hipocrisia mais fétida e no mal perverso do julgamento de que temos que engolir a lógica de mundo deles, como se o Brasil fosse um país evangélico e que temos que seguir as regras religiosas deles. Ficou claro o teocentrismo cristão em grande parte das falas. Isso nos assusta. Sabemos que estes posicionamentos atingem diretamente a todos nós. Falam em família por que acreditam que famílias homoafetivas LGBT não mereçam respeito e não devam existir. Falam em nome do Deus deles por que nos julgam como diabos e que só eles são os certos. Temos que ter medo disso, mas também enfrentar... Estas falas beiram a possibilidade de uma ditadura cristã evangélica (dos diversos segmentos) por meio de leis que nos impedirão até de existir, tendo em vista que a lógica cristã é: “quem não é de Deus, é do Diabo”, e este diabo (chamado também de inimigo) deve ser perseguido, convertido ou exterminado.

Temos que acordar URGENTE!

Será que o Povo de terreiro acredita mesmo que não temos votos para eleger pessoas de nosso segmento? Somos um povo grande, com muita gente. Temos votos pra eleger quem quisermos. Temos que mostrar isso nas eleições em outubro deste ano.

Não acredito e nem referendo bancada religiosa. Jamais gostaria de ver uma bancada de povo de terreiro. Apoiar essa idéia é ser contra a democracia e sobre tudo apoiar a lógica deles, que não nos representa. Contudo temos que entender que precisamos de representação. Sem ela, não conseguiremos fazer nada. Não devemos ficar apenas no discurso, que na maioria das vezes se tornam mortos desde a raiz por não haver luta pela concretização dos nossos ideais. Palavras jogadas ao vento não levam a nada...

A democracia foi estuprada, torturada e rompida ontem no Congresso Nacional. Isso não esqueceremos. Em nome do Deus cristão mais um grande crime contra o país foi efetivado. Um pastor evangélico da Assembléia de Deus, Eduardo Cunha, um dos maiores bandidos do Brasil presidiu um golpe apoiado por significativa parcela da população (branca e de classes elevadas, ou alienados mesmo). Golpe este contra uma mulher honesta e digna. Sem nenhum crime cometido. Isso não irá ficar assim! Somos o povo das favelas, dos alagados, dos bairros pobres, somos o povo de terreiro que temos força para barrar este mal que assola nossas vidas.

Nós "cuspimos pra cima" quando não nos unimos. Então... Cuidado pra não cair em nossa cara!

Que não nos falte o entendimento. Que não nos falte a coragem de concretizar nossos verdadeiros sonhos e ideais! Devemos lutar por nossa comunidade tradicional, somos um Povo e merecemos respeito!

Sobô Nirê Mafá Reis Malunguinho! Herói que esta junto conosco nessa luta por liberdade! Meu cachimbo sempre estará a disposição na luta por causas legítimas do povo.

SE LIBERTA POVO DE TERREIRO!

VAMOS ELEGER UM! VÁRIOS! VAMOS ELEGER NOSSO POVO!

Alexandre L’Omi L’Odò
Juremeiro e Aborìsà
Quilombo Cultural Malunguinho

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Entidade cultural da resistência negra pernambucana, luta e educação através da religião negra e indígena e da cultura afro-brasileira!