quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Herdeiros do candomblé

Crianças do Terreiro Xambá. Foto de AnnaClarisse Almeida.

Herdeiros do candomblé
Crianças têm a missão de levar adiante a religião dos ancestrais em uma sociedade intolerante  

Marcionila Teixiera
marcionilateixeira.pe@dabr.com.br

As longas saias das crianças rodopiam no salão. São rosas, azuis, amarelas. Ao fundo, um som ritmado de meninos e meninas ao ngoma, um tipo de tambor, orienta a dança e o canto entoado aos orixás da casa. Em um terreiro cujas paredes são tomadas por quadros de santos católicos e imagens de candomblé, eles celebram a religião que abraçaram para as próprias vidas. Têm entre cinco e 14 anos, mas parecem conhecer a fundo a fé que herdaram dos ancestrais africanos. Sentem orgulho do que são, pois assumiram desde cedo responsabilidades dentro de seus terreiros. As crianças do candomblé e da jurema são o retrato de uma resistência praticamente invisível. Muitas vezes mantida sob segredo dos ouvidos menos tolerantes a religiões que não às suas.

“É a criança que herdará nossa beleza”, diz um velho provérbio em yorubá que originalmente é escrito “Omo ni yíò jogún ewa lódò wa”. A mensagem, no entanto, atravessou os anos incompreendida. Entre os anos 1920 e 1970, por exemplo, as crianças eram proibidas de entrar nos terreiros. “Cresci me escondendo embaixo da cama quando a polícia chegava no terreiro da minha mãe, onde eu morava. Se pegassem a gente, tinha multa e ela podia até perder a nossa guarda”, conta Adeíldo Paraíso, o pai Ivo de Oxum, que foi iniciado na religião aos 10 anos, no terreiro de Xambá, em São Benedito, Olinda, onde está até hoje.

Os resquícios daquela época ainda insistem em permear a vida dos que habitam os terreiros. Um tempo em que seus seguidores eram submetidos a exames de sanidade mental e tinham que apresentar atestados de antecedentes criminais para manter os salões e seus toques. “Até hoje, muitos dos seguidores da própria religião não querem iniciar seus filhos ainda crianças por preconceito. Eles acham que é cedo para envolver os filhos em algo tão sério. O problema é que isso não condiz com a religião. Tirando a criança, tiramos a raiz do terreiro”, raciocina Alexandre L’Omi L’Odò, do Centro Cultural Malunguinho.

Intolerância
Uma pesquisa de estudantes de psicologia da Fafire chamada A preparação e iniciação de crianças na comunidade Xambá, em Olinda revela que as crianças de terreiro são vítimas de intolerância religiosa na comunidade e na escola. “Elas demonstram maturidade para reagir às agressões e costumam não revidar com violência”, explica o estudante Ismael Holanda. Segundo ele, outra observação que chama a atenção é que em Pernambuco a iniciação acontece muito tarde, quando comparado com outros estados, como a Bahia, onde bebês passam pelo ritual.

Na opinião da professora Stela Caputo, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), muitos pais não querem iniciar os filhos cedo porque a religião exige muitas responsabilidades. “As tarefas são cotidianas”, explica a professora, que acompanhou por 20 anos o crescimento e os depoimentos de meninos e meninas de terreiro.

Confira a reportagem completa na edição do Diario de Pernambuco desta quarta-feira.
 

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Publico aqui matéria muito interessante da jornalista Marcionila Teixiera do Diário de Pernambuco. Texto jornalístico publicado no Diário de Pernambuco, caderno Vida Urbana C3 em 31 de outubro de 2012.
 
São textos como este que nos remetem a refletir sobre o papel da mídia no avanço e contribuição para a desconstrução das mentalidades dos racistas e intolerantes religiosos. O candomblé, assim como a Jurema Sagrada e demais denominações das religiões de matrizes africanas e indígenas sofrem historicamente da mídia impressa um racismo e preconceito que se pode estudar em centenas de matérias do passado dos muitos jornais pernambucanos. Hoje podemos ler algo esclarecedor, rico em detalhes e com teor laico. Este texto, que é bem mais amplo na matéria impressa que foi página inteira, com fotos lindas e chamada na primeira página do jornal dão ao leitor a oportunidade de conhecer um universo que até então se tem profundo desconhecimento. "São as crianças as herdeiras de nossa beleza", e isso tem que ser divulgado e colocado à disposição dos que se interessam em informação. É informando que o racismo vai se acabando na nossa história. Vamos escrever mais, mostrar mais, perder a vergonha de dar o direito à informação a todas e todos nesta nossa sociedade judaico-cristã.
 
Publicarei a matéria na íntegra impressa. Digitalizarei em postagem posterior.

 
Alexandre L'Omi L'Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com

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