terça-feira, 26 de abril de 2011

PLENÁRIA POPULAR EM DEFESA DA FESTA DA LAVADEIRA


PLENÁRIA POPULAR EM DEFESA DA FESTA DA LAVADEIRA

HORÁRIO: 19h
DATA: 27/04/2011 (quarta-feira)
LOCAL: CLUBE DE ENGENHARIA (atrás do Mercado da Madalena)

Alexandre L'Omi L'Odò
Quilombo Cultural Malunguinho

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Carta de apoio integral à Festa da Lavadeira - Quilombo Cultural Malunguinho.


Festa da Lavadeira, raiz que vem do mar!
O maior evento/festa de cultura popular, tradicional e de terreiro de nosso Estado é sem duvida a Festa da Lavadeira.
Nesta poderosa reunião de diversos segmentos da cultura brasileira surge o Axé do Orixá Iyemojá como o agregador de todas as cores, etnias, pensamentos, lutas, amores e transcendências. Percebe-se que o Axé deste Orixá quebra barreiras e reorganiza todo um povo que historicamente foi apartado e ceifado de sua cidadania plena e de seu direito de colocar-se no cenário cultural, como atrações e manifestações de valor estético plausível. Este recalque chama-se racismo histórico, intolerância e pré-conceito de uma sociedade embranquecida pelos fatos e planos históricos que conhecemos bem.
 Mestre Galo Preto cantando para um público de mais de 10 mil pessoas. Foto de Mariana Lima.
Em Pernambuco a cultura popular e tradicional é mantida pelo povo negro e índio. Que com orgulho mantém viva a chama da originalidade única que só o Brasil possui. Portanto, podemos desde já perceber que as teorias gilberto-freyianas que instituíram a partir da academia em nós o pensamento de “democracia racial” nunca existiu e se vir a se tornar realidade, deverá se chamar  “democracia étnico social”, visto que o conceito de raça perdeu sua legitimidade frente aos estudos culturalistas realizados pela academia.

A idéia de transformar um terreiro de candomblé em um ponto que emana agregação entre povos do mundo é o confronto com a antiga idéia de que no período do escravismo brasileiro era plano para destruir estes povos negros que, aqui em nossas terras, foram submetidos a um processo de separação familiar, étnica e cultural. A Festa faz o caminho inverso, agrega, chama pra junto, reafirma amizades, congrega os povos. Isso é muito forte e revolucionário, porque disso emana a esperança de uma nova era para o povo que tem no sangue e na pele o registro da riqueza ancestral da cultura. A Lavadeira é instrumento dos Orixás, Mestres, Mestras, Caboclos, Exús e Trunqueiros, no resgate do que no passado foi vilipendiado pelo sistema de dominação dos povos da Europa, e por isso merece respeito de toda sociedade, que ainda não reparou os danos históricos que a grande maioria deste país sofreu. A Lavadeira também é reparação!
 
 Gira de Candomblé para Iyemojá dentro do Terreiro da Lavadeira
Não percebemos a Festa como território do “sagrado” e do “profano”. Vai muito além disso. Nela, tem a própria transcendência da polissemia sagrado e não sagrado, profano e não profano. A Festa é o território da experiência da transcendência completa das linguagens, onde as pessoas vão para reverenciar a vida em sua totalidade, a vida que veio da água, a vida que está na natureza e em tudo, quase uma concepção deísta de mundo, coisa rara hoje no nosso universo, que ainda insiste em separar o sagrado do compreendido como não sagrado, na Festa, é mais...  
Iyemonjá a grande homenageada reina absoluta como a grande iyá dúdú ti ara ayé (Mãe negra do povo da terra), que com seu Odú verdadeiro de Mãe abre os braços para mais de 20 mil pessoas de diversas tribos, diversos segmentos, diversos pensamentos, diversos gostos, abre os braços para a diversidade cultural enfim.
Público.
Como o Estado pernambucano e os empresários não enxergam isso? Por que acabar com essa Festa? Isso logo nos remete ao pensamento do período colonial, onde o negro e o índio não podiam tocar seu tambor, fazer seus rituais, viver em liberdade... Liberdade essa que com as atitudes tomadas no espaço o Paiva, onde acontece a Festa, se apresentam de forma assustadora, com uma suposta “privatização da praia”, dos espaços legalmente públicos, como atesta nossa constituição sobre o uso público das praias. públicos... Nossa, onde estamos, na colônia de novo?
Isso tudo é muito perigoso. Esta situação ressuscita os fantasmas do passado, do tempo que o poder dos ricos e da Igreja imperava sobre os “sem espírito” nas terras de “ninguém”. Absurdo em todos os âmbitos, não há argumentos que justifiquem o processo para destruir esse evento, a não ser o racismo, coisa que infelizmente compões nossa sociedade e que aflora todos os dias. Muitas vezes tal racismo toma proporções tão grandes que somente os olhos azuis podem enxergar com naturalidade, pois no passados de seus ancestrais isso tudo era natural, matar, acabar, destituir  a liberdade, ceifar a alma sem pena...
Sabemos que nos discursos mais recentes, os gestores públicos alardeiam sobre a implementação de políticas públicas para Promoção da Igualdade Étnico “Racial”, portanto, onde estão os órgãos que eram pra intervir neste caso? Na verdade, não existem em Pernambuco de fato, pois sequer uma secretaria foi pensada no plano de governo atual. Isso também revela a face do nosso Estado. 
Mas não se iludam, Iyemonjá Ogunté (àquela que possui Ògún) protege Eduardo Melo, o idealizador da Festa da Lavadeira. Ele sempre foi instrumento desta divindade. Esperamos e confiamos que a justiça se coloque contra o racismo, a exclusão, a arbitrariedade, e também contra a repetição da história dos poderosos que massacraram e massacram os “miseráveis”.
As raízes vêm do mar... 25 anos de tradição é a afirmação de que a cultura popular junta tem força, assim seguiremos.
 Malunguinho está de ronda na Jurema, nas fronteiras com seus Estrepes!
Salve o povo e a cultura que é nossa. Fé e irmandade!
Olinda/Recife 22 de Abril de 2011
  
Alexandre L’Omi L’Odò
Pesquisador, Produtor Cultural, Músico, Sacerdote Iyawò e Juremeiro.

 
João Monteiro
Historiador, Especialista em Preservação de Patrimônio,  Sacerdote Iyawò e Juremeiro.

QCM.
_____________________

 
Visitem o site da Lavadeira: www.festadalavadeira.blogspot.com 

terça-feira, 19 de abril de 2011

A Igreja Evangélica e a Cultura Afro Brasileira


A Igreja Evangélica e a Cultura Afro Brasileira
Uma breve comparação de discursos...

Esta é uma discussão muito interessante. O mais interessante ainda é observar os discursos diferenciados dos evangélicos e dos que fazem cultura popular negra, ou de terreiro.  Quando se trata de assuntos relativos a vida e a liberdade de crença, o assunto parece ferver mais, as opiniões se acerram e o antigo racismo se revela sempre em linhas quase imperceptíveis. O povo do candomblé e da Jurema quando falam, pode-se perceber um tipo de entendimento sobre o mundo, sem racismo e sem preconceito, ficando a fala sempre na perspectiva de um coletivo livre de crença, visando sempre o discurso não teocrático, e sim focado nos aspectos do social, nos levando a perceber o quanto o povo negro e de terreiro ainda pensam em uma sociedade onde os indivíduos possam  caminhar sem o peso da condenação, miséria etc. Observando o discurso e a teocracia evangélica, podemos perceber que o lado social da humanidade não está contemplado, pelo menos em primeiro plano, já que só Deus ou Jesus "salvam" ou que podem dar uma vida digna a um crente, a uma pessoa.  Isso vale a pena prestar atenção nesta reportagem digna de parabéns a todos e todas que a fizeram.

Como uma "filosofia de vida" pode mudar uma vida? Esta pergunta é por si só um paradigma complexo, que comporta a consciência do homem e mulher que aceita por motivos diversos estas "filosofias" e, também os esquemas de dominação de mentes.  Poucas pessoas param para pensar sobre estas propostas e discursos, pois a filosofia ainda é pouco estudada e aprofundada por nós, dando-nos fragilidades em enfrentar e avaliar estas propostas de forma aprofundada e madura. 

Nesta tele-reportagem, poderemos confrontar e comparar esses discursos interessantes: o dos evangélicos neopetencostais e, o dos grupos e artistas das culturas tradicionais, que são pertencentes a um conceito de mundo norteado pela compreensão cosmológica afro-indígena. Separei algumas frases para vermos o quanto é diferente o discurso e, como são adversas as críticas de um para o outro, na verdade dos evangélicos para os grupos e artistas não cristãos como eles.

Decidi fazer esta postagem para expor esses discursos,  na intenção de provocar uma reflexão maior sobre o tema, portanto, decidi transcrever alguns depoimentos importantes da reportagem, pra que possamos analisar de forma mais fácil o que ambos personagens dessa matéria falam e refletem. Minha intenção é que possamos conversar sobre o que percebemos nas linhas vindouras...

Observem as falas:

Josinaldo Junior “Preto”-Batuqueiro
Josinaldo Junior “Preto” – Batuqueiro do Maracatu Leão Coroado - “Hoje mesmo agente pode dizer que ta muito difícil encontrar um Maracatu como o Leão Coroado, tradicional, e assim: um maracatu de respeito, você pode chegar, pode confiar. Tem um pessoal ai, tem dentro dos batuqueiros todinhos, tem batuqueiros que dá aulas tudinho, passa percussão, ensina, e os jovens que chegam para tocar, ele não vai só tocar não, ele vai aprender a história do Maracatu, vai aprender a tocar, vai aprender alguma coisa... 

Mestre Afonso falou sobre os projetos e trabalhos do Leão... 


Mestre Afonso, Sacerdote Nagô e Mestre de Maracatu

"Ajudava muito se a comunidade quisesse aprender, por que hoje aqui o Leão Coroado trouxe muitas coisas, hoje aqui o Leão Coroado é Ponto de Cultura, ele oferece à comunidade aqui umas aulas de informática, oferece umas aulas de percussão, aula de dança, corte e costura, crochê, estendesse? Isso ai tudo tirando os jovens aqui que estão mais interessados levando para ali pro espaçozinho que agente tem e mostrando esse aprendizado pra eles, entendesse? Só que, pouco aqui estão procurando aprender, entendesse? (...) As famílias tem um pouco de preconceito que não quer deixar que os jovens participem nessa ligação conosco."
O que o Maracatu influenciou diretamente em sua vida? “Ele me ensinou muitas coisas velho, hoje mesmo fiz um projeto, foi aprovado, eu vou dar umas aulas aqui no Alto da Macaíba, em outra comunidade entendesse? Por que lá não tem pessoas pra fazer a história”.
 

Baque do Maracatu Leão Coroado









Gilson Gomes - Coreógrafo
Gilson Gomes, coreógrafo e coordenador do Balé Afro Raízes e Magê Molê – Como é o impacto do Balé aqui na comunidade de Peixinhos, onde vocês estão localizados? “Há, é com certeza aqui é super legal né, a turma apóia né, a nossa comunidade apóia o trabalho que a gente faz aqui, não só com o Raízes, também com o Magê Molê”.

E quais são as transformações que acontecem ai dos participantes desse Balé? "É assim, primeiro também tem que estudar né, se não estudar eles não dança, eu pego muito no pé deles, que é..., primeiro é o estudo mesmo, pra depois dançar”.


Paulo Sérgio - Bailarino
Fala de Paulo Sérgio - Bailarino do Balé Afro Raízes

"Mais um fazendo a diferença no Brasil... Por que hoje em dia, a droga tá aí, a prostituição, a violência, eu fazendo parte de uma arte, estou fazendo a diferença na humanidade. Através do grupo, nas dinâmicas, nas conversas, trabalhos sociais, a gente vai desenvolvendo cada vêz mais o que está dentro de si".


Edvaldo Ezídio – Pastor 
Edvaldo Ezídio – Pastor da Igreja Evangélica Tocha Viva (Peixinhos)Como é que a Igreja tem transformado a vida das pessoas que vivem aqui ao redor? 

“Tem gente que chega aqui viciado na bebida, agente orou, a pessoa aceitou e hoje não é mais... não bebeu, está aqui na Igreja a muitos anos, dá bom testemunho, por que Deus ainda opera nesse tempo né?! 
  
Luiz Antônio Costa – Cantor Evangélico
Luiz Antônio Costa – Cantor Evangélico - “Eu venho aqui para louvar à Deus, no tempo que eu era alcoólatra, passei oito anos retendo água para beber, passei um bom tempo da minha vida dormindo bêbado. Mas um dia Jesus, ele terminou a promessa comigo e mudou minha história. Hoje eu sou análogo da Igreja, graças a Deus”.


Luiz Antônio Costa – Cantor Evangélico - Em culto.

Pedro de Oliveira-Pastor
Pedro de Oliveira – Pastor – Igreja Evangélica Água da Vida - Como é que a Igreja pode transformar a vida de uma pessoa?  - Há onze anos atrás eu era um feiticeiro, trabalhava com Vudú, trabalhava com todo tipo de trabalho. Há onze anos atrás, eu devorava um animal nos dentes, e matava uma pessoa com 72h. Mas para a glória de Deus, hoje, Deus amostrou para mim que é possível um homem mudar, é possível um homem transformar. Foi transformada a vida da minha mãe que era macumbeira, que era feiticeira como eu, e que hoje ela se encontra no caminho do Senhor. Meu filho era garçom de Satanás, hoje ele levita na Igreja.”

Pedro de Oliveira – Pastor – Igreja Evangélica Água da Vida - Louvando.

Pedro de Oliveira Neto
Pedro de Oliveira Neto – Filho do pastor Pedro de Oliveira – “O único Deus da vida de um pai, era minha mãe. Onde ela largava muito tarde, todos as noites agente ia pra lá, pra ver se ela tava traindo, toda essa perseguição... Então, contudo isso, aconteceu uma crise familiar, onde meu pai tentou se enforcar, mas a transformação na vida do meu pai partiu do momento que ele perdeu minha mãe. Ele era uma pessoa grossa, uma pessoa ignorante, uma pessoa que infelizmente me dava vergonha de dizer que era meu pai, e a transformação na vida dele foi uma transformação radical, então hoje, meu pai é analfabeto, não sabe ler, certo? E pela misericórdia do Senhor, está conduzindo a Igreja. Para você, o evangelho tem o poder de transformar a vida de uma pessoa e de uma comunidade? Eu tenho uma total convicção que o evangelho, ele tem o poder de fazer isso.

 Bom, deixo à custódia dos que se interessarem em discutir e realizarem futuras falas que vão delinear um pensamento sobre estes discursos. Minha opinião já expus, conto com todos e todas para crescermos nossas análises sobre tudo que lemos/refletimos aqui.

Alexandre L'Omi L'Odò
 Iyawò e Juremeiro
Graduando História na UNICAP
alexandrelomilodo@gmail.com

Mestre Galo Preto na Agenda Cultural do Recife - Abril 2011.


Mestre Galo Preto - Foto de Alexandre L'Omi L'Odò 2010.

Este ano, um dos grandes ícones da cultura popular de Pernambuco completou 65 anos de luta e resistência a favor do coco. Tomás Aquino Leão, de 76 anos, conhecido por Mestre Galo Preto, é bem mais do que um exemplo de vida. Ele que é músico, coquista, cantador, repentista e embolador tem uma trajetória cheia de altos e baixos. Nascido no quilombo de Rainha Isabel localizado no município de Bom Conselho, ele é o último remanescente vivo, que cultua a tradição do coco de seus antepassados. Na década de 70, esse artista popular de voz inconfundível, levou o coco pernambucano ao mais alto nível, que o fez receber o título de um dos maiores / ou maior repentista do Nordeste.  O Mestre Galo ficou conhecido pela criatividade de criar jingles políticos. Entre os políticos para quem ele trabalhou está o Miguel Arraes. Galo, também é sinônimo de luta social, com as melodias que falam sobre preconceito contra cor e a homofobia, alertas sobre o HIV, direitos dos idosos, entre outros.  O pesquisador de línguas africanas e produtor cultural Alexandre L’Omi L’Odò classifica o Mestre Galo como um "jazz man, pois, assim como o jazz é um estilo livre em que o artista pode improvisar, o mestre Galo consegue fazer a mesma coisa. Ele desenvolve e execulta ritmicamente qualquer estilo de música e toca ao lado de qualquer artista".  Mesmo com todo esse sucesso e competência, o artista acabou caindo no esquecimento do publico, passando 15 anos, afastado da música. Em 2007, ele deu início a sua luta contra o esquecimento popular, que culminou na elaboração de um filme que será lançado em breve. Em reconhecimento a esse grande artista injustiçadamente esquecido, a repórter Erika Fraga da Agenda Cultural do Recife conversou com Mestre Galo Preto, que falou um pouco sobre o início da sua carreira, o legado de seguir com o coco e os planos futuros.    

Quando você começou a cantar coco e embolada? Eu comecei a cantar aos nove anos de idade. A região onde eu morava era muito envolvida com a música, e isso me influenciou. Também fui influenciado pela minha família, pois os meus tios e os meus avôs gostavam muito de uma roda de coco e de embolada, então a música sempre esteve em meu sangue. E aos 12 anos de idade comecei a ganhar um trocado com a música.
E quando a música tornou-se profissão em sua vida? Foi quando sai do quilombo de Rainha Isabel, localizado em Bom Conselho de Papa Caças e vim morar em Garanhuns.  Na época eu fazia dupla com o meu irmão Curió e lá comecei a ter reconhecimento do meu trabalho. Com o tempo a dupla acabou mas as minhas cantorias continuaram fazendo sucesso e eu passei a me apresentar em casa de família, depois em boates, televisão e rádio. Nessa época existia apenas a rádio clube de Pernambuco. É bom lembrar que nunca fui cantador de rua, daqueles que passa o pandeiro cobrando dinheiro. Eu até admiro quem faz isso. 
Mestre Galo Preto na Feira da Música do Ceará 2009. Foto Jacques Antunes.
Mestre Galo Preto no REC BEAT 2010. Foto Maíra Gamarra.
E porque essa dupla acabou?  Porque na época eu fui convidado para fazer uma turnê com os artistas da Rádio Clube. Viajei muito cantando e isso fez com que a dupla acabasse.  

No início da sua carreia, você teve apoio do escritor Ascenso Ferreira. Como foi esse contato?
O Ascenso Ferreira foi um dos meus primeiros incentivadores, é até uma história engraçada de lembrar.
Quando sai de Bom Conselho e vim morar no Recife, fiquei na casa do meu irmão, nessa época, não existiam grandes mercados e bodegas, então as pessoas tinham que vender as mercadorias nas ruas. E para ajudar com as despesas de casa, o meu irmão me colocou para vender verduras nas ruas, e a melhor forma que eu encontrei para vender foi criar rimas. Só assim eu chamava a atenção dos meus clientes.  E todos os dias eu passava na frente da casa do Ascenso vendendo minhas batatas, e ele sempre me via cantar. Até que um dia ele me chamou e perguntou se eu também fazia rimas com outros assuntos. Ele me testou rapidamente mandando fazer uns versos improvisados. Quando terminei, ele disse que a minha cabeça não servia para carregar batatas, que eu tinha uma cabeça de mestre. Ele falou com o meu irmão me deu um cartão da Rádio Clube onde eu comecei a me apresentar.
Mestre Galo Preto 2011 - Foto de Erika Fraga.
Como surgiu o nome Mestre Galo Preto? O nome Mestre eu peguei há pouco tempo, foi em 2007 quando voltei a cantar. Mas o nome Galo Preto é antigo. Esse nome eu não ganhei nas cantorias, ganhei “arengando” quando eu era pequeno. Lembro que certo dia eu estava brigando com o meu irmão chamado Curió, mesmo ele sendo cinco anos mais velho que eu, parti para cima dele com tudo. Nisso, um senhor veio separar a briga e quando ele me segurou, olhou para mim e disse: Tu estás que só um galinho preto de briga não é? Desse dia em diante todas as pessoas passaram a me chamar de Galo Preto.

Nos anos 70 você foi considerado um dos maiores repentistas do Nordeste. Chegando a se apresentar ao lado de grandes ícones da música como Luiz Gonzaga, Lourival Batista e Jackson do Pandeiro, mas de uma hora para outra você sumiu do cenário musical e passou 15 anos distante dos palcos. O que causou o seu afastamento?     
Nessa época eu realmente fiz muito sucesso. Cheguei a me apresentar em programas de rádio e TV. Fui para o programa do Chacrinha, Flávio Cavalcanti e Silvio Santos. Mas em 1991 tive uma grande rasteira profissionalmente falando. Fui envolvido em um escândalo que jamais eu pertencia e isso me tirou a vontade de continuar cantando. Mas há quatro anos voltei a cantar.

E como foi esse recomeço?Foi em 2007, quando a Secretaria de Saúde de Olinda, na época representada por Dr. João Veiga, me fez um convite para fazer a música de uma campanha sobre a Aids e a violência, então reuni vários cantadores e repentistas e formei o grupo Mestre Galo e Preto e o Tronco da Jurema.

Como você se sente sabendo que é o último remanescente do quilombo de Rainha Isabel a preservar e passar e a continuar ensinado a tradição do coco? Eu me sinto muito feliz e honrado, pois estou deixando uma história e uma raiz para os jovens que desejam continuar com os costumes de antigamente. Mas é bom lembrar que eu sou o último daquela região, pois ainda existem muitas pessoas da minha época que têm o coco no coração e continuam carregando e ensinando esse legado.
Mestre Galo Preto na paisagem do Recife 2011 - Foto de Erika Fraga.
Você tem 65 anos dedicados ao coco, porque nunca gravou um CD? Na minha época era tudo muito difícil. Nunca tive uma oportunidade para isso. Mas o meu produtor Alexandre L’Omi L’Odò está elaborando um projeto, e acredito que ainda esse ano gravarei o meu primeiro CD.

Esse mês será lançado o filme “Galo Preto, o Menestrel do Coco”, que conta um pouco da sua história. Como foi o processo de realização do filme? O filme é um média metragem, mas ainda não tem uma data certa para o lançamento. Creio que ainda esse mês, a data será decidida. Ele tem roteiro e direção de Wilson Freire e aborda toda a minha trajetória na música especialmente no coco. No ano passado exibimos uma edição pré-acabada na Mostra Internacional de Música de Olinda, e foi um grande sucesso.  
_______________________________
Re-publico aqui a matéria da Agenda Cultural do Recife do mês de Abril de 2011, feita pela repórter Erika Fraga. Corrigi alguns erros de informação, portanto todo texto segue com erratas. Dêsde já agradesço a toda Agenda Cultural do Recife pela atenção e respeito em todo processo desta matéria.

Quem desejar acessar estas informações no site da Agenda, visite o link: http://agendaculturaldorecife.blogspot.com/2011/04/mestre-galo-preto-65-lutando-pelo-coco.html
 
Alexandre L'Omi L'Odò
Produtor Geral do Mestre Galo Preto
alexandrelomilodo@gmail.com

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Grupo Bongar Grava Música Para O Rei Malunguinho

Malunguinho (trunqueiro/Exú), recebendo oferendas na Jurema. Foto de Alexandre L'Omi L'Odò - 2009.
Grupo Bongar Grava Música Para O Rei Malunguinho da Jurema Sagrada

Com o entusiasmo do dobrado baque da alfaia do coco da Xambá, os jovens do grupo Bongar se colocam no cenário da música contemporânea como legítmos representantes da tradição que representam, exprimindo de forma cosnciente toda amplitude do significado das palavras, rítmo, cultura, história e religiosidade.

É interessante observar o vigor do grupo, em reverenciar elementos da tradição da Jurema Sagrada do nordeste. Em sua rica musicalidade, o grupo parte de seu imaginário proprio para compor e criar arranjos que estão profundamente ligados à percussão, mas isso não é o suficiente para mostrar toda musicalidade vivenciada por eles, que são músicos profissionais que tocam com outros artistas no país todo, portanto, transcendem a cada CD, seus limites e arte, com êxito e firmeza.

Empolga-mos ver as raízes afro indígenas estarem vibrando tão fortemente no público que tem total participação quando são tocadas as músicas do Grupo. O repertório mais antigo já é conhecido na ponta da língua dos fãs e, a pisada sempre mexe com todos e todas que vão assiduamente aos shows.

Falar de Malunguinho hoje, em Pernambuco, é também falar da trajetória de luta e resistência do Quilombo Cultural Malunguinho, que desmistificou este personagem histórico e divino no meio do povo de terreiro do Estado e no meio acadêmico através de eventos e grupos de estudos que acontecem dêsde 2004, tendo como ponto inicial a cede do Arquivo público Jordão Emerenciano, o Arquivo Público do Estado de Pernambuco, local onde está grande parte da documentação histórica oficial sobre este herói pernambucano, que felizmente tem vasta comprovação documental de sua existência de fato.

A música "Malunguinho" fala em metáforas e provérbios populares do povo da Jurema um pouco do que é o Maluguinho divino, a divindade protetora da Jurema, o Rei da Jurema, o Mensageiro da Jurema, chamado de Trunqueiro de Jurema ou Exú, Mestre, Caboclo e Reis que tem fundamental importância para todos os terreiros que tem culto a esta religião. Este Malunguinho da Jurema, a entidade espiritual que tem vários discípulos que o recebem, é a afirmação de que o Malunguinho histórico não morreu, pois ele mantem-se vivo no imaginário coletivo, essencialmente nos terreiros pernambucanos, onde ele, sendo negro, elevou-se a um cargo de grande importância no culto dos índios, fato este interessante de observar... A toada a seguir revela um pouco de como ele é louvado nos terreiros: 

"Mas Ele é preto,
Ele é bem pretinho,
Salve a corôa do rei Malunguinho." 
(toada da gira de Malunguinho, na Jurema).

Tendo em vista a forte movimentação que a visibilização da história de personagens da nossa tradição religiosa tem tido no nosso Estado nos últimos anos, além da clara influência religiosa dos integrantes, o Grupo Bongar decidiu fazer um CD especial, chamado de "Samba de Gira", que ainda não tem data de lançamento prevista, estando este ainda em processo de gravação. A música "Malunguinho" já foi pré-gravada, mas ainda não se encontra disponível, pois passará por edições e masterização para sua finalização. Com uma mistura de Toada de Jurema, e letra/poesia composta por Guitinho, vocalista do Grupo, a música tem forte energia, pois quem escuta, dificilmente não se arrepiará e sentirá a força dos ancestrais da Jurema presente. Entrevistando Guitinho sobre a música, temos maiores esclarecimentos sobre o por que, do Grupo ter se proposto a entrar nesta luta na preservação e valorização/visibilização do herói negro/índio Malunguinho:

Por que você decidiu fazer esta música? "Decidi por ser uma admirador do culto da jurema e por ser encantado pela magia e riquesa histórica que envolve a entidade de Malunguinho na Jurema Sagrada", diz Guitinho.

Quem vai produzir o CD? "Será produzido por mim e Juliano Holanda."

Quem serão os fotógrafos que irão fazer o registro? Beto Figueiroa e Laila Santana.

Onde será gravado o CD ? "Esta em fase de pregravação. A música Malunguinho foi gravada em um DVD de um ensaio que participamos,mas não foi para CD ainda..."
Confira a letra e o vídeo com a música:
 Música: Malunguinho
Autor: Guitinho da Xambá

*Firmei meu ponto sim,
No meio da mata sim,
Salve a corôa de, Rei Malunguinho.


Se você resolveu brincar mais eu
Tu vai ter que ser muito fiel
Pois a linha que eu traço,
Eu balanço, eu remendo, eu custuro, eu desmancho
Faço boi bravo ficar bem manso
Minha ciência não é maior que Deus
Mas o mundo o qual ele me deu
Você tem que entender que eu sou eu

Minha língua é ponta de espinho
Meu olhar é varante como lança
Tem cavalo-manco no samba
A rasteira quem lhe dá sou eu
Capoeira e ginga pai me deu
Não atravesse estrepe no caminho
Porque se não você vai esperimentar
o poder e o dendê de Malunguinho

* Trecho da música que é um ponto pertencente ao cancioneiro do culto da jurema
.


Alexandre L'Omi L'Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Aula de História da África no Colégio Desafio do Recife


Aula de História da África no Colégio Desafio do Recife

Tema: A Formação da Identidade Cultural Africana Sob a Influência do Século XIX. 


A aula no Ciolégio Desafio, no dia 22 de fevereiro de 2011, no período de 08 às 12h,  inaugurando o novo espaço de eventos da escola, o auditório, foi uma grande oportunidade de trocar saberes com os alunos e alunas, que na sua maioria tiveram uma participação muito interessante, dialogando e tirando dúvidas sobre seus preconceitos sobre a África e as culturas que aqui no Brasil, ganharam forma e cor, através das matrizes afro, vindas para cá, através do inescrupuloso tráfico negreiro. Inaugurar um espaço discutindo algo tão inprescindível na formação da nossa identidade brasileira, foi uma grande sacada do professor Hugo Angeiras, que leciona historia nessa escola e me convidou para com ele realizar este momento. Ele, ao compreender a importância do tema, e a contemporaneidade e necessidade prática de se estudar a África, deu aos seus alunos uma ótima e qualificada lição de como se faz história ensinando.

Os temas foram introduzindo e desmistificando este imenso continente desconhecido ainda da maioria. Com imagens que dissoviam a visão de miséria absoluta generalizada dos países africanos, foi se introduzindo e se revelando nosso conceito e visão sobre o que é a África, pois para muitos, este continente é um país, um agrupado de identidades em um local só, sem divisão política nem geográfica.

Os alunos e alunas, a exemplo da Maria Vitória, menina negra, muito simpática e bonita, que falou até que seu pai me conhecia dos moviemntos negros e sociais e, que ela mesma se mostrou conhecedora do personagem e líder negro Malunguinho, pois seu pai falou pra ela dessa história, foi uma das que mais participou e questionou criativamente a nós, contribuindo com sua identidade fortalecida e reconhecida como menina negra estudante. Outras meninas como a Gleyce Mayara, Dhyêdra, e os alunos Igor Braz e Alysson Grace, dentre outros que não lembro o nome, participaram com muito vigor da aula/palestra.  Fiquei muito gratificado em ter sido convidado pra trabalhar este tema tão importante com  estas turmas do Fundamental II (6° ao 9° ano). 

A África como você nunca viu, Cidades desenvolvidas, paisagens bonitas, história e discussão do conceito de miséria e doença, os planos dos brancos, o racismo, a intolerância, o preconceito, foram em suma os temas abordados e discutidos. Religiões de matrizes africanas também, pois mostrei parte de material que construi sobre este tema, que mostra o culto à Babá Egún, e perguntei se alguém alí sabia do que se tratava, as respostas foram inumeras, inclusive que àquilo era "macumba", que àquilo era na "África" etc. Contudo, discutimos e trocamos saberes, e isso foi o preciosidade deste dia.

Um dos diretores do Colégio, se fez presente na aula, e conscientizado e convencido da importância deste tema ser debatido, discutido e mais aprofundado com os alunos e alunas, falou que no mês de Setembro, na Semana Estadual da Vivência e Prática da Cultura Afro Pernambucana, Lei Malunguinho n° 13.298/07, lei criada pelo Quilombo Cultural Malunguinho, aprovada na Assembléia Legislativa do Estado, vai implementar com palestras, cursos e atividades culturais esta Semana, que é de 12 a 18 de Setembro, de todo ano, celebrando o personagem negro e líder quilombola revolucionário pernambucano Malunguinho.


Deixo aqui os contatos do Colégio, para futuras articulações:


Hugo Angeiras - Professor de História
Colégio e Curso Desafio - Fundado em 2009
Rua Professor Mussa Hanzi, n°...ver, 
Fones: 3274-5010 e 3453-0824

Vejam as fotos:

Hugo Angeiras e Alexandre L'Omi L'Odò na palestra.

Alexandre L'Omi L'Odò, discutindo o tema.

Alunos e Alunas da Escola Desafio.


Tráfico Negreiro sendo abordado por Alexandre L'Omi L'Odò

Uma foto viajada... rsrs





Alexandre L'Omi L'Odò
Educador
alexandrelomilodo@gmail.com

Quilombo Cultural Malunguinho

Quilombo Cultural Malunguinho
Entidade cultural da resistência negra pernambucana, luta e educação através da religião negra e indígena e da cultura afro-brasileira!