domingo, 17 de outubro de 2010

Oxum, Padroeira da Cidade de Camaragibe - PE

Faixa e procissão pelo centro de Camaragibe.
Oxum

Padroeira da cidade de Camaragibe - PE
Uma questão de luta para a preservação dos mananciais e do ecossistema!


No dia 31 de julho de 2010, no município de Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife, numa tarde que o sol fazia manha no céu, nos dando luzes avermelhadas, confortáveis aos olhos dos camaragibenses e outros que ao centro comercial da cidade chegaram para participar do evento que o povo de terreiro daquela região realizou, nos iluminou de forma transcendente o fato histórico para a comunidade do candomblé, jurema, umbanda, enfim, aos cultuadores de Orixás e Jurema, que ocorreu naquela tarde.

Materializando em forma de passeata pública, da Avenida Doutor Belmínio Correia até a Queda D'água, na Vila da Fábrica, numa cachoeira de acesso arriscado, levando a Cesta da Oxum, acompanhados pelo Afoxé Iyámi Balé Jilé, da Mameto Balé Jiná, a Mãe Nadja de Angola, do bairro do Ibura, no Recife, os sacerdotes e sacerdotisas, iniciados, neófitos e admiradores das diversas manifestações afro indígenas religiosas, além de representações políticas e governamentais, levaram ao conhecimento geral do povo da cidade a informação de que o Orixá Oxum, havia se tornado padroeira da cidade, por motivos de ideologia e preocupação ecológica, pois Oxum, sendo o Orixá dos rios e das águas doces, foi eleita pelo coletivo de sacerdotes e sacerdotisas do município, como ícone da preservação dos rios e mananciais da cidade após vasta consulta ao Ifá (jogo de búzios) e a diálogos com povo de terreiro da localidade.

Pai Gilmar de Ògún. Um dos organizadores e idealizadores do evento.

O Mapeamento dos Terreiros de Recife e Região Metropolitana, revelou cerca de 60 terreiros na cidade, tendo outros 5 que apareceram depois do processo da pesquisa ter finalizado. Contudo, podemos ver um bom número de templos dedicados ao culto dos Orixás e da Jurema na localidade, revelando sua expressiva força afro indígena religiosa.


A cidade, cortada pelo Rio Capibaribe, e tendo diversos mananciais, além de cachoeiras, sofre forte processo de poluição por parte de fábricas, lixo das comunidades e a total falta de políticas públicas de preservação do ecossistema local, fato este, que coloca o povo de terreiro em situação crítica de preocupação, pois sem água no há axé, sem água não há vida, sem rio, Oxum, a dona da fertilidade humana, da gravidez, das crianças e gestação e, da fertilidade da terra, morre, some, é afastada de seu domínio mítico teológico natural. Pensando em reverter este processo de autodestruição coletiva, os babalorixás, iyálorixás, juremeiros e juremeiras, e todos das religiões afro indígenas, inteligentemente resolveram criar atividades que trouxessem esta realidade à consciência coletiva do povo e dos poderes públicos, provocando assim uma discussão maior sobre o tema.

Mesmo com sérias dificuldades de comunicação e articulação com o poder público local, que não atendeu às reivindicações oficiais dos sacerdotes e sacerdotisas, como segundo o Pai Gilmar de Ògún, um dos organizadores e coordenadores do evento informou, foram enviados 5 ofícios solicitando apoio ao evento, como carro de som bom, trio elétrico e estrutura de logística e segurança para a caminhada, mas em quase nada foram atendidos, pois o carro de som foi de péssima qualidade, atrapalhando o melhor desenvolvimento das atividades e falas, além da pouca segurança e a falta até de água para os participantes beber. Isso mostra o retrato real de uma gestão não preocupada com temas de tão profunda urgência e importância. Os organizadores, acreditam inda que como o evento foi realizado e organizado por pessoas de terreiros, na maioria negros e negras de candomblé, a dificuldade foi maior, pois sabe-se da forte influência evangélica dentro dos órgãos da prefeitura. Contando com o apoio da Fundação de Cultura de Camaragibe, na pessoa de Rejane, o evento aconteceu na força coletiva do axé, força que rege o povo de terreiro, energia que transcende as dificuldades e nos ajuda junto com Exú, a realizar todas as coisas.

Alexandre L'Omi L'Odò falando sobre a importância do povo de terreiro se organizar e compreender sua história, para se defender da satanização da religião pelos evangélicos.

A convite dos organizadores do evento, os representantes da Pesquisa Socioeconômica e Cultural dos Povos de Matrizes Africanas, do MDS- Ministério do Desenvolvimento Social, UNESCO e Fundação Palmares, o Rafael Barros de MG da Filmes de Quintal, coordenador da pesquisa em Pernambuco, os pesquisadores, João Vitor, Alex Nagô e Alexandre L'Omi L'Odò, participaram ativamente do evento, com direito a fala no local.

Pai Djair de Oyá.

Com muita fé e presença de lideranças antigas dos terreiros da cidade como o Pai Djair de Oyá, que com um discurso muito bem fundamentado na afrocentricidade e na consciência negro religiosa, colocou em ordem o pensamento dos presentes, discursando de forma inflamada e cheia de força, reivindicando os direitos à natureza e a liberdade religiosa para o povo de terreiro que sofre todos os dias o racismo e a intolerância. Mãe Graça de Xangô, representante da Umbanda, falou e fez em forma de repente seu discurso defendendo nossa liberdade. Outras lideranças se manifestaram e o Iyawò Alexandre L'Omi L'Odò, tomou a fala a convite dos organizadores e falou do conceito de satanização que as igrejas neopentecostais cotidianamente vem tentando de forma agressiva e criminosa estigmatizar os terreiros e suas práticas. A fala foi muito forte e provocou manifestação de evangélicos que de longe assistiam ao evento. Dentre eles, um que com a Bíblia na mão, veio até o L'Omi e disse que a bíblia prova em um versículo que não recordo que Jesus diz que somos demônios por praticarmos a religião dos negros. esta situação de intolerância religiosa pública, gerou revolta em todos presentes, que juntaram-se e quase tomam medidas agressivas contra o intolerante racista que logo sumiu do local correndo como um covarde. L'Omi, assumiu mais uma vez a fala e colocou ordem na situação que mostrou de forma prática como se dá a satanização da religião negro indígena.

Mameto Nadja de Angola e Alexandre L'Omi L'Odò, instantes depois da intolerância religiosa cometida pelo evangélico.

Passado o fato inusitado, o corpo de sacerdotes se reuniu entorno da Cesta de Oxum, feita e decorada pelo Babalorixá Djair de Oyá, e a celebração à Oxum iniciou com muita força e visível alegria dos presentes pela vitória de no hoje poder manifestar sua fé nas ruas, sem que a polícia venha agredir e reprimir.

Mãe Graça de Xangô, discursando sobre a importância ed Oxum.


Cânticos para Oxum.

Cantando toadas à Oxum, a gira (xirê) formou-se grande e expressiva em plena praça pública de Camaragibe, ato inédito na cidade, que assistiu atenta a interessante louvação. Os prédios dos arredores encheram-se de espectadores nas janelas, os funcionários das lojas saíram para ver a gira e os ônibus que por ali passavam , paravam para assistir o culto rico em dança, ritmo e música dos candomblecistas e juremeiros ali.

Oxum se fez presente, atendendo o chamado de todos. A chuva que levemente caiu nas cabeças dos sacerdotes, prova da aceitação da homenagem à ela. A vibração foi muito forte sobre o cântico:


"Mo r'ómi màá jó- Vejo água, danço
Mo r'ómi màá 'yò-
Vejo água, sou feliz
àgbàdo mi l'ore òjò-
O meu milho é amigo da chuva"*

Xirê para Oxum.

Às 17h a procissão saiu em direção à Queda D'água, no bairro Vila da Fábrica. O transito da avenida principal da cidade foi interrompido e o cortejo com todos seguiu cantando, dançando e louvando Oxum nas ruas, proclamando ela como padroeira da cidade, informando a todos e todas a importância da preservação das águas da cidade.

Xirê para Oxum.

Mesmo os organizadores não tendo respostas da câmara dos vereadores da cidade, para que houvesse uma tramitação de lei municipal para oficialmente o município intitular Oxum como padroeira da cidade, o povo de terreiro o fez, com toda legitimidade e consciência, mostrando sua articulação e poder de discutir na altura que exige a crítica pública efetivando de forma real a intitulação popular de Oxum como Orixá feminino Padroeira de todo Camaragibe, Padroeira das águas doces que brotam do chão da cidade, camará da salvação da vida na terra!

A discussão sobre o tema pretende seguir com a realização de outros eventos. Oxum sempre encabeçando as discussões, como centro ético da preservação da natureza e das águas doces. Pai Gilmar de Ògún registra em entrevista por telefone que a luta continuará devido a importância que o rio tem para o povo de terreiro, conseqüentemente a todo ser vivo.

Òóré yeye o! (Mãe da bondade)**

Veja o vídeo deste momento:



Alexandre L'Omi L'Odò.

Iyawò de Osún.

alexandrelomilodo@gmail.com


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*Oriki extraído da bibliografia: CARVALHO, José Jorge de. Cantos Sagrados do Xangô do Recife. Brasília: Fundação Cultural Palmares. 1993. pag. 96 e 97.

**Saudação à Oxum. Extraída da bibliografia: Beniste, José.As águas de Oxalá: (àwon omi Ósàlá). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. Pág. 127.

--> Agradeço ao Pai Gilmar de Ògún pela entrevista dada a mim por telefone e, por ter repassado informações que contribuíram muito para este texto/relatório.
--> Agradeço à João Vitor que dês do primeiro momento me ajudou tmabém com informações sobre o evento, tendo sido ele o pesquisador que me convidou junto com o Rafael Barros para ir ao evento.
--> As fotos são de autorias diversas. Os autores: Alexandre L'Omi L'Odò, João Vitor e Rafael Barros. O Vídeo foi filmado por Rafael Barros.
--> Mesmo tendo passado tanto tempo depois do evento, só hoje Oxum me deu condições de escrever sobre este evento que ao meu ver foi historico e merece ser copiado em outras cidades.

3 comentários:

Unknown disse...

Lindo! Maravilhoso! Camaragibe deve abrir espaço para esse tipo de manifestação sempre. Fico muito feliz em ver movimentos assim, na praça, escancarados,rompendo preconceitos e chamando o povo para compreender a religião do outro. Parabéns aos idealizadores. ;)

Anônimo disse...

Camaragibe é do Senhor Jesus e não de santo nenhum, afinal quem fez tudo, céus, terra, água, mar, árvores etc. foi DEUS. Á Ele toda honra e toda glória seja dada.

Anônimo disse...

Camaragibe é do SENHOR JESUS, é ELE o protetor de todos os homens de todas as cidades, afinal tudo foi feito por DEUS e não por oxum. Só DEUS merece toda honra e toda a glória. Tudo seja louvado ao nome do SENHOR DEUS.

Quilombo Cultural Malunguinho

Quilombo Cultural Malunguinho
Entidade cultural da resistência negra pernambucana, luta e educação através da religião negra e indígena e da cultura afro-brasileira!