domingo, 1 de novembro de 2009

Folha de Pernambuco publica matéria sobre A Fé Afro Pernambucana.

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Coloco aqui a matéria da jornalista Silvia Leitão, que está promovendo uma série de reportagens sobre a diversidade religiosa do Estado. Nesta matéria poderemos ver um pouco do nosso universo religioso, com forte ênfase na discussão do preconceito que sofremos como fiéis dos candomblés e Juremas.


Publico texto integral da matéria com apenas algumas alterações ortográficas pertinentes.

Boa leitura e vamos discutir o conteúdo deste texto, pois se faz importante (aviso dêsde já) um olhar mais crítico sobre o que escrevem sobre nós.

Nós do Quilombo Cultural Malunguinho também contribuímos com o trabalho da jornalista. levamos ela à uma cerimônia de Ossé para Oxalá na casa tradicional de Dona Dora de Oyá, no Jordão, lá também podemos discutir questões sobre a cosmovisão da Jurema e parte de sua teologia que ainda não foi desmistificada, e que com esforços estamos tentando fazê-la.

Lembro ainda que quando nesta matéria se fala de Umbanda, fica-se muito inteligível a compreensão da diferença entre a Jurema e a Umbanda, portanto sugiro que todos e todas possam avaliar e rediscutir este conceito importantíssimo para afirmarmos a Jurema como um culto independente da Umbanda, já que ela é a Religião Primaz do Brasil.

L'Omi.
Nguzo Malunguinho.

Boa Leitura!


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Domingo 01 de Novembro de 2009.


Cultura e Magia das Religiões Afro Brasileiras

Sílvia Leitão.


É só falar em religiões afro-brasileiras que se escutam conceitos pejorativos sobre seus cultos, tão enraizados na história do Brasil, desde a escravidão colonial. Sincréticos, os credos são capazes de reunir magia, espiritualidade e um politeísmo com resquício monoteísta, por acatar um Deus supremo. Demonizados pelo desconhecimento, chega a ser um paradoxo o ainda persistente preconceito em tempos de tolerância religiosa. No próximo domingo, a série da Folha de Pernambuco continua com Judaísmo.

Na chegada à rua do Terreiro Santa Bárbara Xambá, em Olinda, vê-se toda a comunidade se preparando para aquele dia festivo. De longe, sob a condução dos ogans (tocadores), a batida forte e contagiante dos ilús (tambores) é um chamado para o corpo e para o espírito. O vaivém nas portas das casas é intenso, incluindo troca de roupas e badulaques, travessia de bandejas com iguarias, além de recolhimento para preces de concentração e proteção. A tarde do domingo seria sagrada para aqueles homens, mulheres e crianças, que, com orgulho, preparavam-se para homenagear seus orixás (santos).

Impressionantemente, a tarefa se faz cumprir dos mais velhos aos mais novos, com o mesmo afinco e respeito. No meio dos mais experientes, o pequeno Gabriel Rocha, de 5 anos, mostra seu conhecimento precoce. Como quase todos os presentes, o sobrinho do Pai de Santo Ivo já nasceu ali dentro. “Minha avó e tia-avó me trazem”, adiantou. O som do ilu, que entre os xambás é chamado de ingome, o menino aprendeu a tirar com os ogans do lugar. “Também sei tocar o abê (cabaça) e agogô”, orgulha-se.

A roda do salão para onde Gabriel leva a música se enche de azul, amarelo, vermelho, branco e rosa, cores que representam, nesta ordem, Iemanjá, Oxum, Ogum, Orixalá, Oyá e Xangô. Nas paredes, as fotos de antigos integrantes do terreiro dão o tom de tradição ao ritual que carrega a história dos negros ancestrais, embora ali não seja um espaço de restrição racial, onde brancos não ficam de fora das cerimônias nem da crença espiritualista.

Se o coro em yorubá (língua africana) era para chamar os orixás, que viessem. E eles chegavam. Àqueles corpos em meio a um transe ritmado. Os incorporados pelos espíritos que personificam uma força da natureza dançavam e cumprimentavam a roda. Naquela tarde, a dona de casa Adriana de França, de 30 anos, recebeu Obaluayê, da doença e da cura, herdado, aliás, da avó Mãe Biu. “É como se fosse um casamento, uma festa de gala. Tem que deixar a emoção da batida do ilu entrar em você. Em mim, começa com dormências nos pés e nas mãos. Sinto falta de ar, o coração acelera, a respiração fica ofegante, mas, é um sentimento tão bom que a gente se emociona”, definiu.

O antropólogo da UFPE Roberto Motta diz que o “bom” nome para o Candomblé pernambucano é Xangô. “É a religião da festa, da dança, do entusiasmo popular e da obrigação, compreendendo o sacrifício de bichos”, classificou. Historiador e frequentador dali, Hildo Leal explica o cenário do domingo. “Os dias de toque são em homenagem a um ou todos os orixás. Hoje (domingo passado) é o toque do inhame, para todos os 14 da casa. Neste mês (outubro), não há oferenda animal”.


Pernambuco tem Centros Tradicionais.


Difícil mensurar a penetração das religiões afro-brasileiras em números no solo pernambucano. Roberto Motta ratifica a prevalência de centros em Salvador, na Bahia, sem desconsiderar nossa força. “Lá a influência africana é maior que no Recife, daí, existem mais. Contudo, não devemos subestimar o Estado, nem Alagoas”. Teólogo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Gilbraz Aragão diz que temos pelo menos dois mais antigos, de matrizes transplantadas da África para cá: o de Pai Adão, no Recife, cuja primeira festa pública foi em 1875, e o de Xambá, em Olinda, fundado em 1930. “Uma religião que veio do povo Nagô Yorubá, que na África cultuava espíritos da natureza”, completou.

Entre os de origem nagô, no Recife, a Folha conheceu um pouco dos rituais do terreiro de Mãe Dora, no bairro de Jordão, com mais de 40 anos de história. Para comungar com os orixás o final da semana e reforçar os laços da casa, numa sexta-feira à noite, faz-se o Ossé. Sobre o alá (lençol branco), uma vela, garrafa de barro com água e as oferendas: arroz cozido sem sal com mel e milho branco, de igual preparo. Às mãos do babalorixá e da yalorixá, Pai e Mãe de Santos, espécies de sinos para chamar os orixás. “Paz, saúde, fé e segurança no caminho de todos, além de felicidade, proteção e união”, pedia o babalorixá Sandro de Jucá.

Dedicado a Iemanjá, o Sítio de Pai Adão foi fundado pela nigeriana Ifá Tinuké, recebendo, no Brasil, o nome de Ignês Joaquina da Costa. “Mais uma mulher, pois, os primeiros terreiros de Candomblé brasileiros foram criados por elas - na Bahia, no Maranhão e aqui. Dos seus três filhos, foi Felipe Sabino da Costa, o Pai Adão, quem deu grande impulso à história do Xangô no Recife. Juntamente com o Pátio do Terço, a Casa de Badia, manteve a força do império nagô em Pernambuco”, frisou Manoel Papai, neto carnal do Pai Adão, Pai de Santo à frente do lugar.


Misticismo é Marca Presente


Por trás do Convento de Santa Tereza, no bairro olindense de mesmo nome, só quem é morador pode imaginar ser aquele o endereço de uma casa de Umbanda. Pai Ivon apresenta os elementos quase místicos sem rodeios: assentamento com ferro e bandeira da paz e as oferendas logo ao portão, onde por pouco não se pisa. Para dirimir qualquer visão preconceituosa, trata de esclarecer um mito. “Não trabalhamos com sacrifícios de animais; oferecemos flores, frutas, perfumes e velas”, adiantou.

Nada de calçado para entrar no quarto sagrado, também chamado de peji, como no Candomblé. De terra batida, nele encontram-se pequenos altares para preto-velhos (sábios escravizados vindos da África), caboclos (curadores, donos da mata), ciganos (andarilhos), Malunguinho (revolucionário quilombola), Zé Pilintra (um grande mestre curador) e o canto quase sombrio, em que não se pode entrar, onde estão Exu e a Pombogira. “Não é o diabo. Seus tridentes servem para cavar as coisas boas para perto ou levar as negativas, defendendo as pessoas”, garantiu Pai Ivon.

A cabeleireira Patrícia*, de 36 anos, está ali pela primeira vez. Com os negócios sem lucros e o casamento rompido repentinamente, apesar de católica, espera a mudança de seus anseios no pátio onde as incorporações espirituais logo começam, ao som de cantos e batidas no atabaque, tudo regado a fortes cachimbadas e muita bebida. Após diálogo com uma mestra da casa que apareceu no transe de olhos revirados do Pai de Santo, Patrícia* compartilha. “Disse que eu estava carregada, deu uma baforada do cachimbo para desatar os nós. E eu realmente já estava ficando fraca”.

O antropólogo Roberto Motta explica que na Umbanda existe ênfase na “doutrinação” entre as pessoas e os espíritos, bem como sobre a reencarnação e o progresso espiritual. “Essas religiões começaram a chegar ao Brasil com os escravos africanos, mas, têm também grande influência européia, seja a que vem da devoção popular portuguesa, seja a que deriva do kardecismo francês. Elas ganham espaço à proporção que o Catolicismo se torna uma religião mais intelectualizada, abandonando a devoção mais festiva, como procissões, festas de padroeiro e novenas”, considera.

*Nome fictício para preservar a identidade da personagem, que preferiu não se identificar.

Preconceito Sempre Gerou Várias Intrigas

A Jurema é considerada como parte dos rituais da Umbanda. Crença de matriz africana, onde elementos das tradições indígenas são misturados, o que mudam são algumas práticas. “Aqui existem sacrifícios de animais nas oferendas, como pássaros, preás; há quem oferte galinha, cabra, mas também frutas”, explica o Pai Quinho, de 49 anos, 36 deles na religião, hoje babalorixá de terreiro no Córrego do Jenipapo, no Recife.

“Não há fronteiras nítidas entre Umbanda, Candomblé (Xangô) e Jurema”, reflete o antropólogo Roberto Motta. Talvez não haja mesmo. Segundo o Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 397.431 pessoas no Brasil disseram seguir a Umbanda e 127.582 o Candomblé, mas, não há números precisos de juremeiros. Em Pernambuco, o levantamento apontou que 12.988 pertenciam a esses cultos mais presentes, sem, novamente, citar em separado a Jurema. O nome, inclusive, está ligado à planta de mesmo nome, de onde se extrai a bebida sagrada ingerida ao início do ritual, também pontuado por incorporações de entidades.

Seriam os números precisos? Talvez não e, por isso, seja difícil quantificar essas religiões. Porque a sua história está fortemente ligada ao preconceito, tendo se expressado mais fortemente durante a ditadura militar. “Em 1938, o terreiro de Xambá, em Olinda, foi fechado por Getúlio Vargas, só sendo reaberto em 1950”, contou o historiador Hildo Leal. O Pai de Santo Manoel Papai lembra que isso também aconteceu no Terreiro de Pai Adão. “Foram dez anos fechado”.

A yalorixá Juberleide da Silva soube por seu pai como foram difíceis aqueles tempos. “Ele falava de reuniões de portas fechadas, falando baixo, temendo a polícia. Os toques, inclusive, só aconteciam se houvesse quem acobertar”. Mas se a democratização ajudou a dar fim a esses atos extremos, hoje, pode ser a intolerância religiosa que inibe a livre declaração dos seguidores dessa fé. “Só falo se me perguntar. Uma amiga evangélica quando soube que eu era do Candomblé se afastou de mim e de meus filhos e disse que eu era do demônio”, desabafou Adriana de França.

Lincs para as matérias:

Cultura e Magia das Religiões Afro Brasileiras: http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-grande-recife/534736?task=view

Pernambuco tem Centros Tradicionais: http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-grande-recife/534737?task=view

Misticismo é Marca Presente:
http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-grande-recife/534738?task=view

Preconceito Sempre Gerou Várias Intrigas: http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-grande-recife/534739?task=view

Alexandre L'Omi L'Odò.
alexandrelomilodo@gmail.com

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